quinta-feira, 8 de agosto de 2013

AMOR MENDIGO

Ainda amo Janice,
Embora a danada me seja
Motivo de tanto chorar.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha traído
Com todo o bairro onde moro.

Ainda amo Janice,
Embora ela me destroce
O coração por inteiro.

Ainda amo Janice,
embora eu tenha amargado
Seis meses de cela por ela.

Ainda amo Janice,
Embora se ria sempre
Que alguém lhe fala meu nome.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha apontado
A porta da rua entre risos.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha secado
Os bolsos pra todo o sempre.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha o desprezo
Que só pelos vermes se tem.

Ainda amo Janice,
Embora esvazie por ela
Dois litros de cana por dia.

Ainda amo Janice
Com seu rosto inchado de álcool
E suas pernas arcadas.

Ainda amo Janice
E sonho co'a morte pra tê-la
Na outra vida após esta.

2013

DESEJO II

Não quero beber da cerveja,
Só quero beber dessa orgia,
Não quero sorver o conhaque,
Só quero beijar a morena
Com olhos de poesia.

Não quero uma dose de vodca:
Apenas roçar minha pele
Na loura tão arredia.
Não quero provar do vinho,
Desejo lamber a negra
Que dança e há pouco sorria.

Não quero me embriagar
Senão dos sabores lascivos
Da noite de tanta alegria.

2013

OSVALDO

Se não fosse o bar,
A mesa, essa mulher e a noite fria,
Que seria, Osvaldo, conta, do teu dia?

Se não fosse a noite,
O bar, essa mulher e a mesa fria,
Quanta tristeza, Osvaldo, tu ruminarias?

Se não fosse a mesa,
O bar, a noite e a mulher fria,
Quanto desejo de morrer tu sentirias?

Se não  fosse o porre,
O fumo, o som e tanta orgia,
A tua alma qual bem é tu bem verias.

Se não fosse a dança,
Essa lascívia e as moças libertinas,
Como a ti, meu caro, tu suportarias?

Se não fosse a esbórnia,
Os peitos, coxas, o fetiche, a fantasia,
O quão solitário agora tu te encontrarias?

Se a realidade
Parecesse doce ao teu palato, à tua língua,
Na bandida noite, eu sei, não estarias.

OS BECOS

Ah! Os becos
Mergulhados no silêncio,
Numa escura quietude.
Há alguém
Que se evade, escorregando
Por paredes desbotadas.
Ah! Os becos
Dos lascivos namorados,
Das mordidas nas orelhas
E murmúrios sem pudor.
Ah! Os becos
Quase mudos da cidade,
Destilando amor e crime
Com perigo e poesia.
Ah! Os becos
Quase sempre entristecidos,
Numa calma de pintura,
Com seu ar de solidão.

2013

A MORENA DO DECOTE

A menina do decote
É um poema dissoluto,
É cantiga de luxúria
Lindamente desvairado.

A morena cor de bronze
Do vestido pequenino
É passista nas escolas,
Pagodeira nos botecos
E se dá nos becos negros,
Nos motéis de baixo preço
Em volúpia incendiada.

A mulher do ar de malícia
Bebe  assim como dois homens,
Nunca sonha, apenas vive,
Nunca chora, mas se alegra
E é a estrela das biroscas,
A princesa das bodegas
E a rainha do sambão.

A mulher exuberante
Faz parar inteira a Lapa,
Faz luzir a madrugada,
Faz sorrir o homem mais triste,
Faz sambar a multidão.

2013

NOITE DE SEXTA

Na varanda do bar, um seresteiro apaixonado,
O elemento derradeiro talvez daquela espécie,
Cantava ardentemente uma cantiga tão sentida,
Como ao mundo expusesse uma ferida de paixão.

Pela rua um indigente entristecido, embriagado
Se arrastava na calçada, esfarrapado e solitário.
Desfilavam as mulheres, bundas belas e protusas
Sob malhas apertadas e vestidos pequeninos.
Ah, os desejos! Os desejos se somavam,
Se assanhavam , palpitavam em gostosas tentações.

Era o bairro tão quente e tão vário de pessoas,
De projetos, sentimentos, melodias e paixões.
Era sexta já de noite, era inferno e paraíso,
Era festa, tristeza, era fim e recomeço,
Esperança e desengano com crueza e poesia.
Era a síntese de tudo que se vê no mundo Terra.

2012

BIOGRAFIA DO HOMEM SEM VOZ

Nunca fora ouvido pelos santos
Nem ungido pelos padres e pastores.
Jamais fora escutado por doutores
Ou senhores mandachuvas de poder.

Na tevê os oportunistas discursavam,
Mencionando massacrados do sistema,
Não moviam no entanto palha alguma
Pra mudar tão cruel realidade.

Odiento, se sentiu qual fosse um mártir,
Foi levando uma vida nada honesta
E tornou-se tão mau como a engrenagem,
Insensível, violento, impiedoso.

Ostentava relógios, muitas jóias,
Aramamentos, amantes, namoradas,
Divulgava seus atos de coragem,
Se sentia um herói dos tristes guetos.

Mas um dia foi achado numa esquina,
Sem a vida e de um jeito horripilante:
O sistema clandestino o não ouvira,
Outro mundo pra falar não sei se há.

2012

O FOLIÃO


Não venha falar de vida, morte ou sorte
Nem da minha estrada com os seus espinhos,
Pois o que eu quero é me perder por entre cores,
Plumas, flores, brilhos, danças, tangas, brigas,
É me derramar
Pelo Carnaval.

Não venha falar das horas que eu já passo
No trabalho e dos momentos mais suados que virão,
Pois o que eu mesmo quero
É entrar no tumulto
Tal qual quem mergulha
Nas nuvens e voa.

Quero é me embriagar por entre penas,
Cores, danças, marchas, brilhos, sambas, luzes,
Ser onipresente
Neste Carnaval.

Quero é me espalhar por todo canto
Feito bomba que estilhaça e que cada pedaço
Seja vivo e reluzente como as cores deste dia.

Quero estar alheio a todo drama,
Fome, tiro, preço, "papo", acordo, míssil;
Só sei que nós, homens,
Somos ante Deus
Todos foliões.

1981

SEM FOLIA

Hoje começa o Carnaval,
Mas a minha agonia não finda.
Hoje a folia é sonora,
Mas a minha alma é silente.
Hoje é dia de banda e de festa,
Mas só quietude há em mim.

2012

A MULHER DO AMIGO

A mulher do amigo
tem olhos tão lânguidos,
malícia no riso,
o rosto tão belo.

A mulher do amigo
tem voz de menina,
cativa o olhar
do amigo sozinho.

A mulher do amigo
tem coxas roliças,
tem seios protusos,
é ninfa no bar.

A mulher do amigo
atrai fantasias,
atiça os desejos
do amigo sem par.

A mulher do amigo
faria infiel
o amigo sozinho,
sedento de tê-la.

A mulher do amigo,
primeira entre todas,
paixão de relance,
fugaz devoção.

2012      

SE A TRISTEZA VIER

Se a tristeza lhe quiser destruir o apego à vida,
Viva como se fosse adolescente novamente,
Como abrisse o peito ao vento e no vento pressentisse
O nascer de um tempo cheio de alegria colorida.
Viva como fosse inda capaz de ter sonhos descabidos
E ante o mundo um olhar  juvenil e tão perplexo...

Viva como se pudesse apaixonar-se loucamente,
Como inda fosse menino a brincar de pés no chão;
Como ainda na iminência da primeira entre as orgias.
Vibre qual diante de uma princesa vulgar ou refinada
A despir-se, decidida a saciar os seus desejos.

Beba e se embriague, esquecendo a esteatose,
Como fosse novamente pura flor da juventude
E se visse cobiçado pelas jovens da boate.

Sinta como um cheiro de poema lhe viesse abrir as ventas
E invadir essa alma queda para dela se apossar,
E fazê-lo desejoso de um amor desmesurado.

Viva como fosse a dura vida uma festa tão somente,
Qual tivesse passarinhos a brincar nas suas mãos,
Qual pudesse pôr no mar os pés todos os dias
E sua alma não sentisse dor jamais.

2011

MULHER DO GOMES

A mulher do Gomes é uma simpatia:
Quando vê passando um rapaz vistoso,
Logo morde os lábios, se enche de alegria,
Lhe sorri de um modo muito afetuoso.

A mulher do Gomes é de grande apreço:
Os rapazes dizem que é tão sociável,
Que conhece algum, pega o endereço
E o visita e aperta – que mulher amável!

A mulher do Gomes é tão distraída,
Que, ao sair com este, perde-se na rua,
Quando se dá conta, desperta exaurida
Num quarto de estranho, de ressaca e nua.

A mulher do Gomes é tão bem-querida
É por todos homens sempre elogiada,
E o marido a olha sempre enternecido,
E agradece aos anjos ter aquela fada.

                  II

(A DEFESA DA MULHER DO GOMES)


Mas com que motivo essa gente infame
Vive insinuando que sou leviana,
Se em meu altruísmo, só há quem me ame,
Se sou caridosa, de amizade insana?

Só porque o carteiro, um rapaz garboso,
Se queixou do sol terrivelmente quente,
E eu, de um modo materno e afetuoso,
Me banhei com ele muito humildemente.

Só porque um rapaz, muito gentilmente,
Num final de tarde, num metrô lotado,
Para proteger-me, pôs-me à sua frente
E muito gememos, ternos e agarrados.

Só porque o vizinho é muito educado
E me diz no ouvido verso arrepiante
Enquanto me abraça bastante apertado,
Ficam os canalhas nos dizendo amantes.

Só porque meu primo, homem de coragem,
Me conta seus feitos e brigas e glórias,
Eu eu lhe beijo o púbis de três tatuagens
Já ficam dizendo que temos história.

Não sabe essa escória de língua ferina
Que eu sou tão carinho, tão afeto e paz,
Que vejo os humanos súplices, meninos,
Que a bondade minha é grande demais.

2011

CACOS

É tão viva esta lembrança
Dos heróis de voz armados,
Professando um não sonoro
E brandindo o violão.

Nós sentávamos nos bares,
Encantados com seu canto,
Discutindo os rumos pátrios,
Encharcados de bebida
E a sonhar um tempo novo
De progresso e de justiça.

Nós falávamos de música,
De poetas, prosadores,
Dos heróis de tempos outros,
Das mulheres e do mundo,
De questões inquietantes,
E nos víamos nos rostos
Certas luzes de esperança.

Hoje eu sei que o novo tempo
Nunca vimos ou veremos.
Todos nós nos dispersamos,
E os rebeldes de hoje em dia
Não têm causa ou cabimento.
Mesmo os bares já não pensam,
E eu fiquei por longos anos
A tentar juntar debalde
Cacos ínfimos, dispersos
De um tempo irretomável.

2011

A DANÇARINA

Se a poesia brotasse
De repente
Em plena Rio Branco,
Na forma de uma bailarina
Que dançasse lascivamente enquanto
Se despisse por inteiro,
Dando ao vento os sete véus,

Seria preciso
Desviar o trânsito e recolher
Ao xadrez os transeuntes,
Por serem torpes e perversos
E por isto
Atentarem ao pudor.

Seria preciso chamar os libertinos,
Os palhaços, os circenses,
Os irreverentes
E os cantores loucos
Pr'eles isolarem num cordão humano
A encantada moça,
Que assim poderia,
Pura, sublime,
Saltitar em paz.

2011

FAVELA II

Não é um vilarejo inocente,
Mas sugere algum romantismo.
É um lugar bem modesto,
De uma pobreza flagrante,
De uma beleza singela.

Mas naquela beleza simples,
Não há nos dias da gente
A mais vaga e menor poesia.

As crianças brincam, inocentes,
Mas não sonham qual sonham crianças.
Adolescentes não mostram quimeras,
Mas eterna vigília nos olhos.
Não têm esperança os adultos,
Mas rezam o quanto conseguem,
Pedindo que não cheguem tragédias

Soldados sem farda e camisa
Empunham armas possantes,
Seguindo ordens expressas
De oficiais sem divisas.

O sol reflete nas casas,
Mas não há olhar que se encante.
Alguns jardins bem se avistam,
Mas as flores parecem sem vida.
Nos bares, homens conversam,
E as ruas, repletas de gente,
Não são de viva poesia.
Soa bem alto um batuque,
Mas não há no batuque alegria.

2010

MORENA

Vai, morena,
caminha, morena,
rebola, morena,
a bunda morena
à beira do mar.

Bebe, morena,
te deita, morena,
te doura, morena,
ao sol escaldante,
me deixa te olhar.

Abre, morena,
o sorriso menino,
permite, morena,[
eu ser teu devasso
por hoje somente.

Vamos, morena,
viver neste dia
dourado e de luz
um doce poema
de amor e de ais.

2010

NOITE DESERTA

Na noite de surpreendente chuva as ruas se fizeram desertas
                                        [subitamente.
Poucas vivas almas circulam, fugidias e apressadas,
e o meu peito, ávido de vida, teve de guardar dentro de si
uma ebulição da imensidade de uma gigantesca cachoeira.

Eu queria ir às ruas e buscar a vida, mergulhar na vida
com a voracidade sem virtude dos inveterados pecadores.

Queria que Dionísio cantasse com sua voz licenciosa
os louvores mais sonoros às orgias desmedidas.

Queria que as ninfas formassem um coral febril, luxuriante,
e, lascivas, dançassem e se despissem entre cantigas sensuais.
Que se entregassem sobre mesas de bodegas
a nós, homens, caçadores de emoções.

Mas as ruas estão desertas, e Dioníso dorme no Olimpo,
talvez em ressaca e no recesso de um dia de pecado.
As ninfas devem estar adormecidas nas matas, bêbadas e nuas,
ressonando no cansaço de horas mortas de esbórnia e de risadas.

O meu peito faz que está calado, mas dentro dele há o enorme estrondo
da queda das águas densas sobre o rio caudaloso.
Tão silente a noite, e minh'alma sequiosa de vida, transgressão e liberdade,
de cores e de brilhos, dança, de aventuras e de risos,
vai-se pouco a pouco acinzentando, até se enegrecer tal como a noite
e também se entristecer, se aquietar e, frustrada, também silenciar,


2010

INCOMPATÍVEIS

Ela só queria a casa em ordem,
com berloques e aparelhos,
bela como altar de igreja,
e ele, o mundo infinito,
pra se jogar, se perder.

Ela só qaueria, aos domingos,
o passeio às redondezas,
as visitas aos parentes,
e ele, a vida de aventuras
com meninas e loucuras,
a noite inteira no samba.

Ela só queria noite ou outra
leve beijo, a carne morna,
os desejos saciados,
e ele, a amante mais fogosa
em volúpia incandescente
e a mais louca das paixões.

Ela só queria reuniões
com os parentes e os amigos,
uma festa vez por outra,
e ele, o ano inteirinho,
a mais plena das folias,
o mais inteiro carnaval.

O projeto que ela tinha
era os filhos já crescidos,
já rapazes bem vestidos
e a posição social.
E o projeto que ele tinha
era a vida mais intensa,
era a vida mais imensa
batendo dentro do peito
ou acesa num bacanal.

1989

TANGO CARIOCA

Quando chegaste com teus sorrisos
e te sentaste defronte a mim,
tua figura era só viveza,
minha esperança era tão cansada.

O teu decote era tão ousado,
O teu vestido, cheio de estampas
em tons vermelhos e sensuais,
com transparências bem provocantes.

A tua face se  iluminava
E irradiava tão pura vida,
era  alegria que assim pulsava
que transbordava por todo o bar.

Quando dançavas, arrebatada
pelos pandeiros, pelas violas,
o teu requebro, que era tão mágico,
te transformava numa cigana.

Tinhas o riso  tão atrevido,
Tinhas os olhos tão  petulantes,
me fascinavas como se eu fosse
algum menino sem ter vivência.

O teu olhar bem me cativava,
me transformavas em teu brinquedo,
que, qual criança que não tem zelo,
tu usarias com teu desleixo.

O teu dançar, que contagiava
todos os homens, todas mulheres,
já te fazia não mais humana,
mas  entidade bem poderosa.

Eu, indefeso de tão tristonho,
via teu brilho por entre as luzes
do bar alegre, da lua,  estrelas,
que não brilhavam mais do que tu.

Eu, destoando das alegrias
daquela noite, da tua dança,
fugi de ti, do teu grande encanto,
porque temi que me devorasses,
porque temi que me consumisses.


2010

O BAR


No bar onde se apresentavam
Cantores de muita poesia,
Havia uma mulher que cantava
E um homem que não se iludia.
Havia um rapaz que sonhava
E uma mulher que sofria.
Alguém a vida adorava,
Alguém a morte pedia.
A música a alguns tocava,
A outros nada dizia.
Um grupo, feliz, dançava,
Um grupo mal se mexia.
Havia um ser que odiava
E um outro que apenas bebia.
Um jovem casal se beijava,
Um outro se repelia.
Alguém, sozinho, chorava,
Um trio de amigos sorria.
Um revoltado, inflamado, bradava,
Um indiferente mal o ouvia.
Um bêbado a língua enrolava,
Um sóbrio apenas sorria.
Diversas emoções se notavam,
Belas canções se seguiam.
Havia também a apatia,
E a noite apenas seguia.

2010

WONDERFUL BITCH

A carreira em minha arte
comecei muito menina.
foi modesto o meu início,
mas vi logo a ascensão.


Toda a arte que eu esbanjo
é uma veia de família:
minha mãe reinou em Ramos,
foi "Rainha do Bambu".


Estreei na Tiradentes,
logo, um justo produtor
desfrutou  meus mil talentos,
me levou lá prá Mimosa.


Prossegui, determinada,
pois sabia dos meus dotes;
em dois anos, era a estrela
de uma termas em Campinho.


Mas Campinho era pequeno
pros meus sonhos tão dourados,
não tardei a ser rainha
de uma termas lá de Copa.


Hoje, sou  celebridade,
dançarina mais cotada
para os shows de strip-tease,
pelas taras dos turistas.


Sou Maria Dejanira,
mas ganhei um nome artístico,
batizada por um gringo
co'a alcunha Wonderful Bitch.


As mulheres  me invejando,
tantos homens me esgotando,
me esfolando, me exigindo
todo tipo de prazer,


sou princesa dos bebuns,
sou a deusa dos tarados,
sou a "star" Wonderful Bitch.

1994

O BOTEQUIM

Não vou nem chorar
o preço que pago
por estar no mundo,
se é fim de semana,
tem muita bebida
neste botequim.


Vou já esquecer
o recente fracasso,
se é fim de semana,
tem mulher bonita
neste botequim.


Já nem me afeta
a recordação
de amargas passagens,
se é fim de semana,
tenho companheiros
neste botequim.


Nada mais me atinge,
se é fim de semana,
se resume a vida
a este botequim.

1980

FAVELA

É uma tarde plácida. A fogueira acesa
E o valão imenso onde atirar pedras
São prá meninada uma grande festa.


Vai a mulher preta, caixa na cabeça,
Passos cuidadosos, neném na barriga.


O sol de outono pinta de amarelo
Os casebres pobres, ruços de poeira.


O homem encurvado de cabeça branca
Traz bolsa pesada, muita ferramenta.


A moça bonita chega da janela
E tão bela imagem nos enche de sonhos.


É uma tarde mansa, toda colorida,
E um homem tristonho fala pros amigos
Que até mesmo os santos os abandonaram.

1981

AUTOBIOGRAFIA DE UM ZÉ

Em guri, neguim de morro,
Eu vivia a tomar bolas
Dos guris de lá do asfalto
E a levar e dar porradas.

Empurrei carrim de feira
E sonhava ser um craque,
Afanava nos mercados
E sonhava a seleção.


Pela minha adolescência,
Ouvi que era um negro lindo
E quis ser galã da Globo
Ou, então, um gigolô.


Hoje, aos vinte e cinco anos,
Tenho mais de três ofícios,
Mas componho alguns pagodes:
Quero mesmo é ser artista!


Fui servente de pedreiro,
Trabalhei já de mecânico,
Tive muitas profissões,
Mas nem todas tão honestas.


Fui porteiro, vigilante,
Camelô, pintor, garçon,
Já fui cabo-eleitoral:
O que eu quero é ficar vivo.


Já rezei pra todo santo,
Me enfiei entre evangélicos,
Pus despachos nas esquinas,
A pedir vida de gente.


Já fiz parte de uma greve,
Já votei nesses sujeitos.
O que eu quero não é muito:
É levar vida de gente.


Quando sem querer meus olhos
Dão co'os olhos tão opacos
E tristonhos dos meus entes,
Já não sei mais o que quero
Ou se mesmo quero algo:
No sem-vida dos seus rostos
Eu enxergo o que é real,
Vejo morto qualquer sonho,
Qualquer fio de esperança.

A NAMORADA DO BANDIDO

O meu homem é um cavaleiro andante
Audaz, afoito,
Herói que empunha AR-15
Nas mãos seguras
Que tantas mortes já provocaram.

Não é o chefão aqui do morro,
Mas quase isso,
E, orgulhosa,
Eu desfilo meus ares de primeira-dama
Por estes becos,
Muito embora eu o saiba homem de muitas outras,
Me contentando
Em ser mais uma das suas dezenas
De prediletas.

Promotor de festas, danças, alegrias,
Comendador,
Paladino da luta contra as injustiças,
Meu doce rambo,
Que acolhe, satisfaz e aquieta meus desejos;
Que me sacode nos braços fortes, quando tem raiva
E que me bate;
Mas me comove quando traz presentes caros,
Lindos, mimosos,
Alimentando, superinflando meu narcisismo.

Um dia, eu sei, meu homem tombará desfigurado,
No encerramento
De sua carreira gloriosa e de seus dias
Aqui no mundo.
Aí, eu chorarei como a mais inconsolável das viúvas;
Mas sei que logo
Um outro herói com os mesmos predicados
Me aquecerá
No peito forte
E ganhará meu coração.

 1994


É bom deixar bastante claro que “A NAMORADA DO BANDIDO” não pretende de modo algum glorificar a imagem do traficante de drogas ou do membro do crime organizado, mas focalizar a visão que as moças pobres que se envolvem com tais criminosos têm destes, além da sua quase impossibilidade de livrarem-se da condição de mulheres de delinquentes.